quarta-feira, 5 de junho de 2013

Como Andar de Bicicleta



Quando discutimos um assunto, podemos ter dois vieses diferentes: o que consideramos correto e o que a lei prevê. Frequentemente um ponto de vista não coincide com o outro, então cabe lutarmos para defender nosso ponto de vista e mudar a lei.

Entretanto, enquanto a lei não é alterada, ela é lei. Devemos segui-la, ou optar por uma desobediência civil, sabendo as consequências de nossos atos. 


Alguns dias atrás tive uma discussão com um amigo sobre como andar de bicicleta. Para motoristas, em geral, muitas ações de ciclistas são ilegais. De fato, ciclistas são cidadãos como quaisquer outros e fazem muitas bobagens. Entretanto, há um amplo desconhecimento das leis de trânsito no que tange a interação com estes.


Este artigo alguns pontos que são frequentemente alvo de reclamação por parte dos motoristas. A avaliação será com base no Código Brasileiro de Trânsito (CTB).


Limite Mínimo de Velocidade


Muitos motoristas reclamam que as bicicletas atrasam o trânsito, pois são mais lentos. Este é um fator complexo, principalmente porque a maioria dos motoristas não respeita o limite de velocidade, quer seja por infração deliberada ou por julgar que uma rua com limite de 40 km/h na verdade é de 60 km/h. A proliferação de ruas asfaltadas de mão única ajuda a espalhar esta crença, pois qualquer motorista que circule por uma destas ruas se julga seguro a dirigir em altas velocidades (é um anti traffic calming).

Surge aí uma crítica interessante: se a velocidade máxima é de 40 km/h ou 60 km/h, como pode o ciclista andar na ra, já que a velocidade mínima é a metade da máxima, logo 20 km/h ou 30 km/h (muitos ciclistas andam mais lentamente que isso)?

Aí cabe uma leitura mais detalhada do CTB: ao contrário do que muitos pensam (eu inclusive não sabia disso), não há limite mínimo para a faixa da direita. Em casos onde há apenas uma faixa, ela é a faixa da direita, logo, não há limite mínimo. Assim, qualquer um pode circular a velocidade que bem entender nesta faixa!


Art. 219. Transitar com o veículo em velocidade inferior à metade da velocidade máxima estabelecida para a via, retardando ou obstruindo o trânsito, a menos que as condições de tráfego e meteorológicas não o permitam, salvo se estiver na faixa da direita:


Lugar do Ciclista

Muitos motoristas, assim como a própria Rede Globo, acredita que os ciclistas devem andar colados ao meio fio, para não atrapalhar os carros. O CTB define o local do ciclista da seguinte forma:


Art. 58. Nas vias urbanas e nas rurais de pista dupla, a circulação de bicicletas deverá ocorrer, quando não houver ciclovia, ciclofaixa, ou acostamento, ou quando não for possível a utilização destes, nos bordos da pista de rolamento, no mesmo sentido de circulação regulamentado para a via, com preferência sobre veículos automotores.

Não há uma definição do que consiste, para fins de lei, o que é bordo da pista. A CET (Companhia de Engenharia de Tráfego) de São Paulo (equivalente à EPTC) recomenda a distância de ~1,5 metros (na verdade se fala em um 1/3 da faixa, o que daria cerca de 1,1 m em média). O motivo está aqui.
Podemos, entretanto, ignorar a orientação da CET e pensar neste problema de outra forma: 
  • A distância mínima que um veículo automotor deve manter de uma bicicleta é 1,5 metros;
  • Uma bicicleta possui cerca de 70 centímetros de largura;
  • Um carro Fiat Uno (relativamente estreito) possui 1,8 metros de largura;
  • Uma pista de rolagem possui, em média, entre 3 a 3,5 metros de largura.
Vamos trabalhar agora em duas hipóteses: 

  • Seguindo a Legislação: Se o ciclista e o carro usarem zero centímetros de distância entre o meio fio e a faixa adjacente, respectivamente, a pista necessitaria de 4 metros de largura - o que não é verdade!
  • Adequando-se a Pista: O ciclista mantém uma distância de 20 cm do meio fio, o carro mantém 20 cm da outra via (o que é arriscado para ambos!), totalizando 2,9 m. Sobram de 10 a 60 centímetros, o que leva aos fininhos. 
Hoje o procedimento de se "adequar a pista" é o comportamento corrente. Ele é altamente arriscado, pois leva o motorista a passar muito próximo do ciclista. Assim, salvo admitamos esta prática arriscada, não faz diferença ficar rente ao meio fio, usar 1/3 (o tal ~1,5 m do meio fio) ou o meio da pista - o motorista precisará sempre ultrapassar usando parte da pista adjacente.

Onde Não Andar

As bicicletas não podem circular:
  1. Na Calçada: Só é permitido desmontado, situação na qual o ciclista vira um pedestre;
  2. Na Rua: Caso haja uma ciclovia, é proibido ao ciclista andar na rua. Particularmente, acho um absurdo esta restrição. Se discorda, me pergunte me porquê nos comentários (não quero fugir do assunto);
  3. Em Vias Rápidas: São aquelas avenidas em que não há cruzamentos ou faixas de pedestre e cuja velocidade de circulação é de 80 km/h (em Porto Alegre apenas a Castelo Branco);
  4. Estrada: Nas estradas, o ciclista deve circular no acostamento.

Conclusão

Há ainda muito desconhecimento sobre as regras que se aplicam a ciclistas e sua interação com veículos automotores. Neste artigo, diversos outros pontos da legislação são explicados. Recomendo a leitura.

Por fim, é importante lembrar que, apesar das problemas que os ciclistas enfrentam no ambiente urbano, em um ponto eles levam grande vantagem: o CTB estranhamente não define punições aos ciclistas que não se comportarem corretamente (exceto em raríssimos casos). Isto é bizarro e, apesar de beneficiar os ciclistas, mostra como a legislação considera este grupo um modal secundário de transporte.

5 comentários:

  1. Alex, tu chegou a ver se tem diferenciação entre Ciclovia e Ciclofaixa no sentido da restrição de andar na rua? Até aonde eu lembrava a restrição era para Ciclovia (via específica para bicicletas), mas nas Ciclofaixas poderia se andar na rua. Da onde eu tirei isso? Nem lembro!

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    1. Mateus, olha ali o Art. 58 que eu colei no texto. A restrição vale para quando houver ciclovia, ciclofaixa ou acostamento (neste caso, suponho, refere-se apenas a rodovias).

      E, já que citaste estas duas categorias, segue aqui um link com as diferenças de cada tipo, para caso alguém tenha dúvidas:
      http://vadebike.org/2011/05/ciclovia-ciclofaixa-ciclo-rota-e-espaco-compartilhado/

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  2. Recebi um questionamento do leitor Sérgio Odossin que não sei porque, não apareceu aqui. O comentário era:
    "E sobre os sinais de trânsito, valem para carros e para ciclistas? Do trajeto da minha casa até o meu trabalho, vejo ciclistas não respeitando sinaleiras.
    Outro dia eu mesmo fui atropelado por um ciclista que não parou numa sinaleira que estava no sinal vermelho. Eu estava na faixa de pedestres.
    Alguma opinião quanto a isso? "

    Salvo desmontado (situação na qual um ciclista se equivale a um pedestre), um ciclista deve respeitar a sinalização. Infelizmente, é hoje mais frequente (ao menos na minha experiência pessoal) ciclistas ignorarem os sinais de trânsito do que motoristas fazê-lo.

    Mesmo que o sinal ou a faixa de pedestre não estivessem ali, o ciclista deveria dar prioridade ao pedestre, pois o maior sempre deve respeitar o menor. Neste ponto, entretanto, minha experiência pessoal é que ciclistas ainda respeitam mais os pedestres do que carros. Noto, contudo, que o respeito pelo pedestre tem diminuído em muito por parte dos ciclistas nos últimos meses, algo extremamente preocupante.

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  3. Olá!
    Eu não discordo de ti sobre o absurdo da restrição a trafegar na rua onde há ciclovia, mas fiquei curioso pra saber a tua opinião.

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    1. Oi Augusto!
      Acho errado por duas rzãoes principais:
      1. Restringe o uso de um modal que deveria ser estimulado;
      2. Cria um problema para alguns usuários.

      Detalhando o item 2: Muitas ciclovias e ciclofaixas têm sido construídas com critérios de ergonomia e segurança equivocados (para dizer o mínimo). Por exemplo, a ciclovia da Ipiranga tem tempos de sinaleiras terríveis, além de impedir o ciclista de acessar o comércio local devido a forma que foi segregada do tráfego.

      Muita gente defende que é melhor não fazer a ciclovia do que fazer mal feito, mas eu discordo. Mesmo com estes problemas, esta ciclovia é mito útil para pessoas que se sentem intimidadas para circular no meio dos carros. Assim, estas pessoas podem tanto ganhar confiança para posteriormente irem para as ruas ou mesmo usar somente as ciclovias.

      O problema é que, com a obrigação de circular por estas faixas, o usuário avançado é prejudicado. Nas circunstâncias de construção da faixa, é preferível para ele seguir entre os carros, mas ele fica proibido de fazê-lo, logo, a construção da faixa o prejudica.

      Indo mais além, acredito que apenas avenidas arteriais deveriam ter ciclovias, pois nelas há uma diferença grande de velocidade. Nas demais vias medidas de traffic calming bem executadas poderiam perfeitamente permitir que bicicletas e carros compartilhassem a mesma faixa. Acredito que este seja o futuro, mas para daqui a muito tempo.

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