quarta-feira, 3 de abril de 2013

Transporte Público - Mais Sobre Custos

Dia 28 de março um protesto violento eclodiu em Porto Alegre contra o aumento das passagens de ônibus. Ele foi precedido - e sucedido - por diversas outras manifestações pacíficas. No cerne deste movimento está um repúdio não apenas ao valor corrente das passagens, mas à situação do transporte público.
O Discutindo Porto Alegre publicará uma série de artigos sobre o problema do transporte público de Porto Alegre. A questão será abordada sob diversos pontos: jargões da área, como o custo da passagem é calculado, simulações de alternativas, a falácia do crescimento dos isentos, entre outros. A abordagem será qualitativa e quantitativa, resultado de um trabalho exaustivo de análise de dados fornecidos pela EPTC, pela Prefeitura e por outras fontes. 

Hoje - Mais Sobre Custos

Acreditava ter esgotado o assunto de custos do sistema em meu último artigo. Entretanto, meu ombudsman esperava mais. A verdade é que não esperava mais voltar o assunto, até porque a planilha divulgada pela EPTC pede explicitamente para que ninguém a leia! Entretanto, resolvi voltar a ela e realizar um trabalho mais elaborado. Ficou enorme e imagino que os leitores interessados serão, portanto, um número reduzido.
É importante frisar que eu ainda não consegui entender plenamente a planilha. Os problemas estão nos itens de depreciação e remuneração, nos quais, embora minha lógica pareça estar correta, uma parte do cálculo não bate com o da planilha. Agradeceria muito se alguém conseguisse descobrir onde estou errando (ou, se não estou errando, o porquê da diferença). Caso achemos esta discrepância, atualizarei este post futuramente.

Noções Gerais


Em linhas gerais, o sistema de cálculo utiliza a metodologia definida pelo GEIPOT. Descobri isto através de um trabalho de engenharia reversa, complementado, na metade do trabalho, pela descoberta de um conjunto de documentações da AGERGS sobre o tema, o que esclareceu uma série de pontos.

Os cálculos são todos baseados nos conceitos de custo por quilômetro. Contudo, os cálculos intermediários utilizam amplamente o conceito percurso médio, em detrimento da rodagem total. O percurso médio é a rodagem total dividida pelo número de ônibus na frota. Em teoria o resultado deveria ser o mesmo, entretanto, isto só é verdade no caso de não existir uma frota reserva, isto é, um conjunto de ônibus que estão à disposição das empresas em caso de falha dos ônibus operacionais.

O fato do cálculo ser realizado tendo por base a frota total (sem excluir a frota reserva) foi o motivo pelo qual o TCE entrou com uma representação, solicitando a revisão do preço da tarifa. A existência de uma frota reserva é esperada e o tamanho da mesma encontra dentro dos padrões sugeridos pelo GEIPOT. O problema ocorreu apenas na metodologia de cálculo.

A EPTC utiliza para cálculo valores mensais, sempre referentes ao mês anterior ao reajuste. Assim, temos passageiros equivalentes do mês e PMM (percurso médio mensal). Particularmente acho estranho e me parece que valores anuais seriam mais razoáveis.

Combustível

O combustível é calculado, segundo o GEIPOT, aferindo a relação de consumo por quilômetro da frota e multiplicada pelo valor do combustível. Este item deve ser apresentado subdividido pelo tipo de veículo. A tabela abaixo mostra como este item é apresentado na Planilha de Cálculo Tarifário.


Nesta tabela, temos os seguintes itens:

  • Coef.: É a relação de consumo por quilômetro do tipo de veículo;
  • Frota: Total de ônibus do tipo apresentado (contando frota reserva);
  • Custo km: Custo por quilômetro para o tipo de veículo. É calculado multiplicando-se coef, frota e o valor do diesel (definido como R$1,99 para o período);
  • Total: Custo km dividido pela quantidade total da frota (considerando frota reserva). 

O item "Total" apresenta o custo total por quilômetro. 
Observações: Seria bom aqui uma coluna com o valor do diesel, desobrigando o leitor a pesquisar o valor. Além disto, tornaria a dedução dos valores mais óbvia.

Lubrificantes

Os lubrificantes, usados em diversos processos dos veículos, são calculados, segundo o GEIPOT, aferindo a relação de consumo por quilômetro da frota e multiplicada pelo valor do lubrificante. Este item deve ser apresentado subdividido para cada um dos tipos de lubrificantes utilizados, dado que possuem preços distintos. A tabela abaixo mostra como este item é apresentado na Planilha de Cálculo Tarifário.


Nesta tabela, temos os seguintes itens:

  • Coeficientes: Cada um dos coeficientes de uso por quilômetro do lubrificante;
  • Preços: Preço do lubrificante (assim fica mais fácil, não?);
  • Custo km: Custo por quilômetro para o tipo de lubrificante. É calculado multiplicando-se coeficientes por Preços;
  • Total: Custo km, obtido somando os custos individuais (os coeficientes já estão divididos pela frota). 
O item "Total" apresenta o custo total por quilômetro. 

Rodagem

A rodagem trata de pneus, câmaras custo de recapagem, etc. Segundo o GEIPOT, devem ser considerados os números de pneus e demais itens usados e divididos pela vida útil do mesmo. Como cada tipo de veículo possui características de consumo e tipo de pneus distintos, os valores devem ser divididos por tipo.

Este é um dos itens que tive problema para entender na planilha. Ele primeiramente apresenta o custo dos pneus, o que é relevante para a etapa de cálculo da depreciação. Posteriormente, ele apresenta as quantidades de pneus e recapagem. Tudo muito bonito, mas não consegui achar a relação entre os custos de recapagem e o custo km apresentados. O esquisito é que, mesmo usando os valores de custo km por categoria  não consegui chegar no valor total, seja por soma ou soma ponderada.

Meu entendimento é que deveriam ser calculados, para cada tipo de veículo, como a soma do pneu mais recapagem, multiplicado pela quantidade do tipo e dividido pela frota e pelo PMM. estes valores deveriam ser, depois, somados para obter o valor total.

A tabela abaixo mostra como este item é apresentado na Planilha de Cálculo Tarifário.



Valor da Frota

O valor da frota é usado para os cálculos de depreciação e de remuneração. A tabela abaixo mostra como este item é apresentado na Planilha de Cálculo Tarifário. Ela apresenta a quantidade de veículos por modelo e resultados parciais por tipo.




Nesta tabela, temos os seguintes itens:

  • Frota: Quantidade de veículos disponíveis (conta frota reserva);
  • Chassi: Valor do chassi, considerando um veículo novo;
  • Carroceria: Valor da carroceria, considerando um veículo novo;
  • Total: Valor total do veículo, considerado como novo;
  • Híbrido Total: Soma ponderada (atribuindo peso às quantidades) do valor dos veículos. Representa o custo médio de um veículo da frota;
  • Custo Ponderado dos Pneus: Parte do custo total referentes a pneus. 
  • Valor do Veículo Sem Pneus: Valor total, excluído o custo dos pneus. É necessário, pois os valores de remuneração e depreciação não atuam sobre os pneus.



Depreciação

A depreciação é quanto do valor  de veículos equipamentos e instalações é perdido por ano, devido a desvalorização natural do item pelo seu uso (não há relação com inflação!). Há diversas formas para realizar o cálculo de depreciação. A Prefeitura utiliza o Método de Cole (vide documentação da AGERGS para detalhes).
O Método de cole trabalha com os seguintes conceitos:

  • Valor Total do Item: Quanto o item vale novo;
  • Vida Útil: Quanto tempo o item será usado. Este valor é considerado na literatura 7 anos para veículos leves, 10 anos para veículos pesados e 12 anos para veículos especiais. A prefeitura utiliza um valor constante de 10 anos para todos os veículos;
  • Valor Residual: Considera que, mesmo após esgotada a vida útil, o item ainda possui um valor associado. A prefeitura considera o valor residual dos ônibus 15%.
  • Valor a Depreciar: Valor Total do Item menos o Valor Residual;
  • Quota de Depreciação: Valor base para o cálculo de depreciação. Obtém-se dividindo o Valor a Depreciar pela soma de cada um dos anos da depreciação. No nosso caso, fica Valor a Depreciar/(1+2+3+4+5+6+7+8+9+10) ou, Valor a Depreciar/55;
  • Multiplicador: Valor que será multiplicado pela quota em cada ano para definir o valor depreciado.  O valor é o inverso do ano, ou seja, para o ano 1 o multiplicador 10. Para o ano 9 é 2 e para o ano 10 é 1;
  • Coeficiente de Depreciação: Quantos pontos percentuais da desvalorização prevista o item está sofrendo.

A tabela abaixo mostra como funciona a depreciação de um veículo:























Para demais itens, a metodologia define o cálculo tendo por base a depreciação de um veículo do tipo Híbrido Leve. Assim, as demais depreciações (máquinas, equipamentos e instalações) são calculadas como 0,0001 do custo do veículo (por veículo). Para obtermos o custo por quilômetro, devemos dividir este valor pelo PMM.

A tabela abaixo mostra como este item é apresentado na Planilha de Cálculo Tarifário.




Nesta tabela, temos os seguintes itens:

  • Faixa Ano: Ano de validade para a faixa de depreciação;
  • Frota: Quantidade de veículos nesta faixa;
  • Coeficientes: Coeficiente de depreciação;
  • Depreciação Anual: Multiplicação do coeficiente pela frota, de modo a ter um valor ponderado.
  • Custo km: Não apresentado, mas derivado desta tabela, ele é a "Depreciação Mensal p/Veículo" dividido pelo PMM.
Problemas: Aqui temos mais alguns problemas. Primeiro, a linha "Total Mensal" deveria ser a soma das depreciações anuais dividida pela frota total e por 12 (número de meses). Claramente não é, então pensei que a divisão pela frota ainda não fora feita, o que também não procede. Tentei várias combinações, usar valor composto ao invés de simples e várias outras coisas. Nada!
Um segundo ponto é que a linha "Depreciação Mensal p/Veículo" deveria ser, no meu entendimento, o "Total Mensal" multiplicado pelo valor do veículo (e dividido pelo tamanho da frota, dependendo de como o "Total Mensal" for definido). Mais uma vez, não fecha.

Remuneração

A remuneração é calculada com base no custo de propriedade das empresas. É aplicado um percentual de remuneração sobre a frota e, para os demais itens, o mesmo percentual é aplicado sob proporções de um veículo híbrido leve (novo).
Os índices para estes itens são:

  • Almoxarifado: 0,03;
  • Instalações e Equipamentos: 0,04.

Para o cálculo da frota, principal custo de propriedade, é necessário avaliar o valor corrente, já levando em conta a depreciação (calculada anteriormente).  Assim, apresento a tabela abaixo com uma simulação da remuneração.
















Na tabela, temos:

  • Ano, Frota e Coeficiente de Depreciação conforme já apresentados anteriormente;
  • Valor Corrente: Valor corrente do item. No  primeiro ano o item ainda não sofreu depreciação, tendo seu valor decrescido posteriormente;
  • Lucro: Taxa de lucro, aqui com valor fixo de 1%;
  • Coeficiente: Coeficiente de remuneração, é o Valor Corrente do item multiplicado pelo Lucro.

A tabela abaixo mostra como este item é apresentado na Planilha de Cálculo Tarifário.



Nesta tabela, temos os seguintes itens:

  • Faixa Ano e Frota conforme já apresentados;
  • Coeficientes: Conforme metodologia mostrada acima;
  • Remuneração Anual: Frota multiplicado pelo coeficiente, de modo a ser um valor ponderado;
  • Custo km: Não apresentado, mas derivado desta tabela, ele é a "Remuneração Mensal p/Veículo" (ou por capital, ou por instalações e equipamentos) dividido pelo PMM.
Problemas: Aqui tive os mesmo problemas da seção "Depreciação". Tentei as mesmas abordagens e nada.

Custo de Capital

Aqui temos apenas uma consolidação de valores já calculados anteriormente.




Despesas com Peças e Acessórios

Calculada com base no valor de um veículo híbrido leve. O valor do coeficiente as ser multiplicado (0,0057) é definido na literatura. O resultado é dividido pelo PMM para obtermos o Custo km.

Despesas com Pessoal e Administrativas

Aqui, mais uma vez, fica aquela impressão que complicam uma coisa simples. Qualquer um pensaria em pegar o número de funcionários, multiplicar pelo salário mais benefícios e dividir pela rodagem total. é, mas não fazem assim. O GEPOIT define a metodologia de forma diferente. Deve haver um motivo...

O pessoal operacional (motoristas, cobradores e fiscais) são quantificados através do FU (fator de utilização). O FU indica quantos funcionários, para cada categoria, são necessários para operar um ônibus. Assim, o cálculo é feito como o salário da função, multiplicado pelos encargos sociais e pelo FU. Após, é somado o valor do vale refeição multiplicado pelo FU. Este valor é então dividido pelo PMM, obtendo-se o Custo km.

O pessoal administrativo e de manutenção é calculado com base no valor do do time operacional, segundo metodologia GEPOIT. É atribuído um coeficiente para cada  um dos times e multiplicado pelo custo do pessoal operacional. São eles (mínimo literatura, máximo literatura, Porto Alegre, respectivamente):

  • Manutenção: 12% / 15% / 11,29%.
  • Administrativo: 8% / 13% / 11,78%.


A tabela abaixo mostra como o pessoal operacional e de manutenção são apresentados na Planilha de Cálculo Tarifário.



Nesta tabela, temos os seguintes itens:

  • Salário: Quanto é pago para cada categoria;
  • Encargos Sociais: Quanto é gasto em encargos sociais;
  • FU: Fator de utilização;
  • Total: Salário mais encargos, multiplicados por FU;
  • Vale Refeição: Valor do Vale refeição para cada veículo, por categoria (note que já está multiplicado por FU);
  • Despesa por Quilômetro: Custo km.

A tabela abaixo mostra como o pessoal administrativo é apresentado na Planilha de Cálculo Tarifário.


Nesta tabela estão presentes os diversos custos administrativos. A metodologia de cálculo não é similar a outros itens já mostrados.

IMPORTANTE: Note que há um erro na planilha. Segundo o GEPOIT, o cálculo da despesa do setor administrativo deveria ser feito com o base no custo do pessoal operacional. Na planilha, entretanto, está sendo feito com base na soma dos valores do pessoal operacional mais manutenção.
Se não estou enganado - e não acho que esteja - isto gera um valor extra de 2,8 centavos. Nada terrível, mas é um erro.


Tributos

Os seguintes tributos incidem sobre a passagem de ônibus municipal são:

  • PIS: Alíquota de 0,65%;
  • COFINS: Alíquota de 3%;
  • ISSQN: Alíquota de 2,5%;
  • Taxa de Gerenciamento: Alíquota de 3%.


O custo com tributos é calculado como o custo sem tributos dividido por (1 - somatório dos tributos. Assim, temos: CCI = CSI/(1-0,65-3-2,5-3), sendo CCI (custo com impostos ) e CSI (custo sem impostos)


Cálculo Final

O valor final da tarifa será o custo com impostos (CCI) dividido pelo IPK. Esta será a tarifa calculada. A tarifa decretada, ou seja, a que será efetivamente cobrada para os passageiros será decida com base neste cálculo. Normalmente são feitos apenas arrendondamentos para facilitar o troco.

Outros Artigos da Série

Iniciando o DiálogoIntrodução ao conjunto de indicadores e vocabulário usado pela EPTC e o básico do cálculo da tarifa. 
Receitas e DemandasComo está a situação da arrecadação do sistema de transporte. Como está se comportando a demanda dos passageiros. 
Por que as Passagens Sobem?Análise dos motivos por trás do aumento das passagens e comparação com outras cidades. 
Me dê Números!: Como usar todos estes conceitos para simular cenários. Disponibilizo uma planilha que permite calcular o valor da passagem simplesmente informando parâmetros para diversos cenários.
Uma Proposta Para o transporte PúblicoUma proposta para reduzir o valor das passagens e melhorar a qualidade do serviço.

4 comentários:

  1. Tentei achar, mas não foi publicado. Vou manda rum e-mail para o MPC e pedir uma cópia. Perguntar não ofende! ;-)

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  2. Não me entenda errado, sou fã de veículos elétricos e acho que este é o futuro! O problema é o presente! Como fica a logística disso? Tipo, quantas viagens uma carga permite. Mais, qual é o tempo de recarga? Ou a recarga é feita com troca de baterias? Até ter mais detalhes, sou bastante cético.

    Outro pequeno detalhe (que em nada tira o mérito da substituição): veículos elétricos não geram poluição zero. Mesmo ignorando a poluição gerada para produzir a eletricidade (já que não impacta diretamente a cidade), ainda temos as partículas de borracha desprendidas dos pneus. Não li nenhum estudo definitivo sobre o tema, mas me parece que é um problema não desprezível.

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  3. "Desde segunda-feira, dois auditores analisam a planilha que definiu em R$ 3,05 o custo da passagem, com previsão de concluir o estudo em até três meses."
    O que?!?! Três meses!? Poxa, aí não me serve! Até eles terminarem e publicarem o estudo já vai estar na hora de aumentar a tarifa de novo! E como a cobrança indevida não é nem punida, nem devolvida, no final vamos ficar na mesma!

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  4. Bem, achei a legislação que regula a coisa toda: http://www.leismunicipais.com.br/cgi-local/showinglaw.pl

    O triste é que, embora tenha resolvido o problema da rolagem, não ajudou me nada na parte de remuneração e depreciação. pelo contrário, me deixo mais confuso: usando as regras, parece que os consórcios estão cobrando a menos estes itens, o que seguramente não estaria ocorrendo, pois bobos eles não são. Então, desisto, sio com a planilha velha de guerra. :-(

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