O Discutindo Porto Alegre publicará uma série de artigos sobre o problema do transporte público de Porto Alegre. A questão será abordada sob diversos pontos: jargões da área, como o custo da passagem é calculado, simulações de alternativas, a falácia do crescimento dos isentos, entre outros. A abordagem será qualitativa e quantitativa, resultado de um trabalho exaustivo de análise de dados fornecidos pela EPTC, pela Prefeitura e por outras fontes.
Hoje - Receitas e Demanda
Como foi apresentado anteriormente, o preço da tarifa é calculado com base nos custos, mas também nas receitas. Há diversas formas possíveis de se financiar o sistema, podendo ser aplicada uma o várias delas em conjunto. Algumas das possibilidades de financiamento são:
- Publicidade: Usado nos nossos ônibus, através de propagandas ficas na parte traseira e via Bus TV;
- Tarifa de Uso: A forma mais direta de financiamento, consiste em cobrar diretamente do usuário. Há varias possibilidades:
- Bilhete: A forma mais conhecida e usada, consiste em cobrar o usuário pelo trajeto. é a metodologia empregada em Porto Alegre;
- Passe: Consiste em cobrar pelo uso indiscriminado em um determinado período, por exemplo, o usuário pagaria uma taxa mensal e poderia usar o serviço tanto quanto desejasse;
- Misto: O usuário possui um passe com o direito de usar até um determinado número de bilhetes. Após isto, paga um valor especial pelos bilhetes adicionais (similar a como funcionam a maior parte dos planos de dados de Internet);
- Venda de Serviços: Disponibilizar algum serviço adicional durante a viagem que será cobrado. empresas aéreas como a Webjet aplicam fortemente este modelo. No caso de empresas de ônibus, um serviço possível seria conexão wi-fi;
- Subsídios: Um agente interessado, público ou privado, financia parte ou todo os custos. O financiamento público é empregado para subsidiar, por exemplo, a passagem do Trensurb. Agentes privados podem ter interesse em comprar bilhetes antecipados e oferecer para clientes de graça ou como programa de fidelidade. Por exemplo, assim como o Zaffari financia o estacionamento para quem compra mais de R$35.00 em seus supermercados, poderia entregar duas passagens de ônibus, como alternativa.
- Imposto Global: Imposto aplicado sobre os usuário ou de forma indiscriminada para todos os habitantes, quer eles sejam ou não usuários.
Em Porto Alegre, as empresas de ônibus fazem uso de bilhetes e publicidade como forma de financiamento. É importante notar, entretanto, que apenas o bilhete, ou passagem, é reconhecido como fonte de receita para fins do cálculo da tarifa. Isto significa que toda a publicidade é um ganho extra das empresas, não aferido pela Prefeitura ou EPTC.
Chama a atenção, entretanto, que outras formas de financiamento não são exploradas (ou levadas em consideração) para viabilizar o sistema. Assim, como estamos interessados em avaliar o sistema atual, me deterei apenas nas passagens. Mais especificamente, como temos um preço fixo, analisarei o componente demanda, que é linearmente equivalente ao da receita.
Grupos de Usuários
A EPTC utiliza, em suas diversas análises, dois tipos de agrupamento de usuários: (i) por modalidade de pagamento e (ii) por nível de financiamento. Quanto ao primeiro tipo, temos as seguintes categorias:
- Comum: [Integral] Pagou em dinheiro junto ao cobrador;
- Vale Transporte: [Integral] Pagou via cartão carregado por vale transporte;
- Passagem Antecipada: [Integral] Pagou via cartão carregado antecipadamente;
- Escolar: [50%] Pagou via cartão carregado com passagem escolar;
- Integração Bilhetagem Eletrônica: [Isento] Trecho gratuito liberado via cartão, dado como bônus por comutação;
- Integração Trem-Ônibus-Trem: [90%] Pagou a passagem via cartão usado no trajeto anterior no sistema Trensurb;
- Passe Livre: [Isento] Teve sua passagem liberada no dia de passe livre;
- Isento: [Isento] Trecho gratuito liberado via cartão para certos grupos de usuários, como idosos.
Quanto ao segundo tipo de agrupamento, temos as seguintes categorias (conforme definido pela Prefeitura):
- Integral: Soma de todos os usuários que pagam a passagem (categorias Comum, Vale Transporte e Passagem Antecipada;
- Desconto: Considera aqui o conceito de passageiros equivalentes. Assim, a quantidade da categoria "Escolar" é multiplicada por 0,5, enquanto a categoria "Integração Trem-Ônibus-Trem" é multiplicada por 0,9;
- Isento: Aqui são contabilizados todos os passageiros não pagantes (categorias Integração Bilhetagem Eletrônica, Passe Livre e Isento) mais a proporção não paga da categoria "desconto" (0,5 da categoria "Escolar" e 0,1 da categoria "Integração Trem-Ônibus-Trem").
Esta forma de contabilização, na minha opinião, é errada e possui ampla má fé! O cálculo, na verdade, indica a quantidade de passageiros (no conceito já explicado em artigos anteriores) que não pagam a passagem, versus os que pagam integralmente a passagem. Assim, a categoria "desconto" não poderia existir, pois, conforme contabilizado, o desconto já foi incluído na categoria "Isento".
Além disto, o uso do termo técnico passageiro em comunicações ao público é errado, pois esta palavra possui um outro significado plenamente estabelecido. Com este artifício, a Prefeitura dissemina a ideia errada que 30% dos usuários do sistema coletivo não pagam nada, quando isto é totalmente falso!
Evolução da Demanda
Os dados da EPTC apresentam um cenário muito ruim para o transporte coletivo de Porto Alegre. O número de usuários do sistema tem baixado ano a ano. A tabela abaixo mostra a evolução dos anos 2005 a 2011 (Este intervalo foi usado, pois a maior parte das comunicações da EPTC usam este intervalo. É possível que seja devido a mudança de administração.).
A tabela abaixo mostra o mesmo período, mas levando-se em consideração agora os passageiros equivalentes.
A tabela abaixo mostra uma consolidação das informações, comparando os dados de 2005 com 2011.
Note que, ao contrário do que EPTC, ATP e Prefeitura afirmam, o número de estudantes e isentos não tem aumentado, mas sim diminuído! Isto ocorre também com o total de usuários pagantes. A única categoria que cresce é a "Integração Bilhetagem Eletrônica", provavelmente canibalizando a categoria "Escolar". Estranhamente ela não parece ter efeito sobre os pagantes integrais, pois a única que tem apresentado queda após 2009 é a "Comum", que não possui o benefício da segunda passagem.
Os dados são distorcidos - e como tal devem ser analisados com cuidado - pelos seguintes eventos:
- Até 2008 poucos isentos eram contabilizados, pois não passavam a catraca. Agora, com o cartão de isenção e liberação da catraca, o número passa a ser contabilizado;
- O início do sistema TRI, em abril de 2008, impactou fortemente a venda de passe antecipado e criou a categoria "Integração Bilhetagem Eletrônica";
- O número de linhas que permitem integração com trem foi expandido, justificando, ao menos em parte, o aumento da categoria;
- Até metade de 2011 a categoria "Integração Bilhetagem Eletrônica" pagava 50% da passagem, passando, posteriormente, a ser isenta. Não tenho dados de 2012, mas é possível que esta categoria tenha aumentado ainda mais, a expensa das de pagamento integral.
Isenções e Descontos
Como mostrei, o número de isentos e passageiros com desconto não tem aumentado, salvo a isenção por segundo bilhete (o que é um aumento da eficiência do sistema, não necessariamente uma perda de arrecadação). Assim, é estranho afirmar que estes usuários estão onerando o sistema.
Mais pessoas usando o serviço possuem sim um impacto no custo, mas não é grande, mas, por outro lado, é de difícil mensuração. Assim, para fins desta analise, me permitirei considerá-los negligíveis. Nesta linha, o crescimento dos isentos só é um problema na medida que seja a expensa de pagantes integrais. Como não ocorreu nenhuma transformação (salvo o segundo bilhete gratuito, que excluo da discussão, pois não vejo contestações a ele) que transforme pagantes em não pagantes, a teoria não faz sentido de qualquer forma.
Ainda assim, podemos considerar que seria benéfica a entrada dos isentos na arrecadação. Entretanto, é importante atentarmos para a falácia da conversão total. Só podemos contabilizar nas receitas os passageiros isentos que continuarem existindo se passarem a ser pagos. Esta taxa de conversão não é de 100%, pois, passando a ser pago, as pessoas deixam de usar o sistema por diversas razões (deixam realizar a viagem, alteram o modal, ...).
O caso do passe livre segue lógica semelhante, mas é possível que sofra menos por um fenômeno peculiar. Muitas pessoas não gostam de usar o sistema neste dia, pois julgam (não sei se corretamente) que a segurança é menor e os ônibus mais lotados. De toda a forma, os números desta categoria são muito pequenos, logo, possuem pouco impacto sobre o sistema.
O caso da categoria "Escolar" é ainda mais complexo. Aqui também temos a taxa de conversão, mas temos também a arrecadação inerente da categoria. Assim, mantendo a premissa de não alteração dos custos, podemos piorar o sistema se a taxa de conversão for baixa. O ponto de equilíbrio é 50% de conversão. Se 50% dos estudantes mudarem o modal ou deixarem de realizar a viagem, o sistema continuará com a mesma arrecadação de hoje. Taxas de conversão maiores implicam em melhora na arrecadação. Taxas de conversão menores implicam em queda na arrecadação.
A Seguir
No próximo artigo, analisarei o histórico do custo das passagens em Porto Alegre e outras capitais. Além disso, como outros modais tem se comportado. A Prefeitura culpa a redução do IPK Equivalente como causa do aumento das passagens. Isto está correto? Qual o IPK de outros modais (e será podemos fazer esta comparação?). O que está agregando ineficiência ao sistema.
Outros Artigos da Série
Iniciando o Diálogo: Introdução ao conjunto de indicadores e vocabulário usado ela EPTC e o básico do cálculo da tarifa.
Mais Sobre Custos: Análise detalhada de como funciona o sistema de cálculo de custo das tarifas.
Por que as Passagens Sobem?: Análise dos motivos por trás do aumento das passagens e comparação com outras cidades.
Me dê Números!: Como usar todos estes conceitos para simular cenários. Disponibilizo uma planilha que permite calcular o valor da passagem simplesmente informando parâmetros para diversos cenários.
Uma Proposta Para o transporte Público: Uma proposta para reduzir o valor das passagens e melhorar a qualidade do serviço.
Iniciando o Diálogo: Introdução ao conjunto de indicadores e vocabulário usado ela EPTC e o básico do cálculo da tarifa.
Mais Sobre Custos: Análise detalhada de como funciona o sistema de cálculo de custo das tarifas.
Por que as Passagens Sobem?: Análise dos motivos por trás do aumento das passagens e comparação com outras cidades.
Me dê Números!: Como usar todos estes conceitos para simular cenários. Disponibilizo uma planilha que permite calcular o valor da passagem simplesmente informando parâmetros para diversos cenários.
Uma Proposta Para o transporte Público: Uma proposta para reduzir o valor das passagens e melhorar a qualidade do serviço.
Este comentário foi removido por um administrador do blog.
ResponderExcluirBah, que amadorismo, achei que estava clicando em responder e cliquei em remover o comentário! Troféu abacaxi para mim. Estou tentando descobrir como reverter isso... :-/
Excluir(postando de novo)
ResponderExcluirDigno de nota: circulou muito aí que as isenções e descontos estariam em mais de 30%, e isto seria a principal causa pros aumentos da tarifa. Problema que isso é uma mentira das mais deslavadas.
Ocorre que, se compararmos os totais da tabela de passageiros totais com os totais da tabela de passageiros equivalentes que efetivamente pondera cada pessoa pelo desconto que lhe é concedido, vamos observar, considerando somente pós-TRI, que:
2008, pagou-se 230M viagens, viajou-se 315M viagens = 73,01% pago
2009, pagou-se 235M viagens, viajou-se 314M viagens = 74,84% pago
2010, pagou-se 238M viagens, viajou-se 320M viagens = 74,37% pago
2011, pagou-se 241M viagens, viajou-se 323M viagens = 74,61% pago
Ou seja, a isenção NUNCA passou de 25%.
Até quando governarão por mentiras?
Agora respondendo, ao invés de excluir:
ExcluirDe fato, este acho bizarro como eles falam números sem qualquer preocupação com a verdade. Mesmo considerando a forma desleal de comunicação (ao chamar de passageiro, o que remete a outro significado).
Outra coisa que costumam mentir (ou se equivocar) é quando dizem que acabar com os isentos levaria a passagem para R$2,10 (ou seja lá o valor que falam no dia). Isto só valeria se houvesse conversão total, o que nunca é verdade.
é chato, mas parece que não há nenhuma preocupação em pensar antes de falar!