terça-feira, 16 de abril de 2013

As Árvores da Praça Júlio Mesquita

Errata
Ao contrário do publicado aqui, a liminar do ministério público foi apenas parcialmente indeferida. As árvores presentes na praça continuam preservadas até decisão posterior. O que ocorre é que o MP havia solicitado, além das árvores da praça Júlio Mesquita, a suspensão do corte de árvores no Parque Maurício Sirotsky Sobrinho. A suspensão do corte das árvores do parque que foi removida. Embora esta seja apena suma parte do texto, vale a errata.
Peço desculpas aos meus leitores pelo erro, motivado em parte por uma matéria mal escrita (e apócrifa) da ZH. Passarei a ter mais cuidado com as minhas fontes e procurarei fazer uma verificação cruzada no futuro.
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A juíza Nadja Mara Zanella, da 10ª Vara da Fazenda Pública, indeferiu hoje a liminar que suspendia o corte de árvores da Praça Júlio Mesquita. Com esta decisão, a prefeitura deve reiniciar o corte de árvores nos próximos dias, dando seguimento à obra de duplicação da Edvaldo Pereira Paiva (avenida Beira Rio). A praça é mostrada nas imagens abaixo.

Praça Júlio Mesquita (imagem extraída do Google Maps).

Vista do Google Street View da praça (as árvores mostradas na foto foram cortadas dia 6 de fevereiro).

Para quem não se lembra deste imbróglio, um breve histórico: no dia 6 de fevereiro deste ano, a prefeitura começou um processo de corte das árvores da praça. rapidamente, diversos manifestantes se mobilizaram contra a ação, subindo nas árvores e suspendendo o processo, após a derrubada de algumas árvores.

O processo gerou um amplo debate na cidade, com protestos paralisando o tráfego em frente à Usina do Gasômetro, entre outras ações. Diversas reuniões foram feitas entre os manifestantes para definir uma estratégia de ação. Por fim, foi identificado que a ação não respeitaria a criação do Parque do Gasômetro, previsto no plano diretor.

Com base neste fato, o vereador Marcelo Sgabossa (PT) contatou o ministério público, que conseguiu uma liminar suspendendo o corte. Foi esta liminar, agora cassada, que impediu o prosseguimento das obras. O argumento do grupo que solicitou a liminar é que, ao invés de uma duplicação, deveria ser realizado (conforme previso no plano diretor) um rebaixamento da avenida no ponto e a criação de uma esplanada, garantindo trânsito livre para pedestres e veículos. O argumento da prefeitura foi ora que esta obra poderia ser feita posteriormente, ora que o rebaixamento causaria problemas de alagamento.

Com esta linha de ação perdida, é possível agora que os grupos contrários sigam com pressão política através de manifestações, embora a prefeitura já tenha manifestado que fará a obra com ou sem protestos. Como ocorreram há poucos fortes manifestações contra o aumento da passagem de ônibus, é possível que parte deste grupo migre para esta nova reivindicação, mantendo a pressão na prefeitura.

A Obra

A remoção das árvores via a ampliação da pista da avenida Beira Rio em frente ao Gasômetro. Além da ampliação, está prevista uma rótula entre o parque Marinha e a praça Júlio Mesquita, além da criação de um estacionamento na praça (usando a área da mesma). Embora não conste na página principal da obra, a prefeitura divulgou em seu site que a praça sofreria uma profunda remodelação.

Esta ação faz parte do trecho 4 da obra de duplicação da Beira Rio. O custo deste trecho está estimado em R$15 milhões. Os demais trechos incluem a ponte sobre o Arroio Dilúvio, duplicação da Beiro Rio até a Pinheiro Borba, viaduto sobre a Pinheiro Borba e corredor sobre a Padre Cacique. O custo total da obra é estimado em R$ 96 milhões.

As Diferentes Posições

É muito confortável adotarmos uma posição cartesiana, julgando que o mundo se divide em "nós" (as pessoas que querem o bem) contra "eles" (as pessoas que querem o mau). O que existe no mundo, entretanto, são pessoas com visões de mundo diferentes. Pior, muitas vezes temos pessoas com visões de mundo semelhantes,mas que não concordam na melhor forma de atingir tal objetivo.

Ao longo do processo, participei de muitos debates sobre o assunto: discussões em blogs, ida em manifestações, apresentação da proposta pela prefeitura na câmara de vereadores. Minha interpretação é que haviam, de forma simplificada, três grupos distintos de pessoas realizando diferentes pressões políticas.

Anti-Establishment

Este grupo era o mais visível opositor a obra. Sua refuta se devia em parte pela oposição à derrubada de árvores de forma geral, em parte contra uma visão de que estes projetos estão privatizando/ elitizando a orla. Há um viés naturalista aqui também, pois, em geral, as pessoas deste grupo tendem a preferir espaços minimamente alterados pelo homem.

Minha principal crítica a este grupo não é tanto seus objetivos, mas uma tendência mínima ao compromisso. Pior, uma tentativa de evitar o debate, algo que sempre me desagrada. Na apresentação do projeto na câmara, não estavam interessados em ouvir a prefeitura, mas antes em se mostrar contrários. Me senti no auditório de um programa da Márcia Goldschmidt! Assim, a minha impressão é que só aceitariam uma vitória completa.

Desenvolvimentistas Tradicionais

Aqui se encontra o grupo que apoiava a obra.A premissa aqui é que a cidade precisa de investimentos para se desenvolver. Os congestionamentos precisam ser atacados com amplos investimentos. Mais, a obra previa uma qualificação do espaço de lazer, tornando injustificadas as críticas.

Minha divergência aqui é o que se entende por desenvolvimento. Mais que isso, que nem todo o investimento é vantajoso. Muitas vezes é apenas dinheiro gasto em algo mal feito ou que precisará ser refeito depois.

Desenvolvimentistas Modernos

Termo meu, sem o objetivo de dar ao grupo um viés de ser mais correto, mas sim de representar uma nova corrente. Este era  grupo menos visível de opositores. Me encontro neste grupo, portanto, peço desculpas por apresentar mais detalhes deste ponto de vista. A posição aqui não era quanto as árvores, embora lamentássemos a retirada delas, mas pelo que elas estaria sendo removidas.

Nossas críticas ao projeto são:

  1. A obra remove uma área de lazer para a criação de estacionamentos;
  2. A obra prevê uma larga pista de rolagem na orla, criando um ponto de passagem, não um ponto de convívio;
  3. O aumento da largura das vias implicaria em um aumento da velocidade dos carros. Assim, os espaços de lazer criados seriam inutilizados, pois não seriam confortáveis. O nível de ruído e a baixa segurança propiciada por ruas movimentadas afasta pessoas interessadas em lazer;
  4. O investimento em mais pistas de rolagem, sob o nosso ponto de vista, piora o trânsito.
Desfecho

Infelizmente, devido a uma postura de não negociação por parte da prefeitura e do grupo anti-establishment, não foi possível fazermos uma discussão mais elaborada das alternativas. A criação da esplanada seria, sob o meu ponto de vista, uma solução de compromisso aceitável. 

O mais triste, assim, é que, mais uma vez, perdemos a oportunidade de dialogar. O Rio Grande do Sul - e Porto Alegre - tem sido refém de grupos que se alternam no poder e não desejam realizar compromissos. E não são dois grupos! Grupos novos surgem e acabam adotando posições irredutíveis, que impedem o diálogo. Isto tem que mudar e, o primeiro passo, é pararmos de separar o mundo em nós contra eles.

Enfim, perdemos mais uma oportunidade de discutir Porto Alegre!

5 comentários:

  1. Cara, matou a pau no post.

    É esse tipo de análise que precisamos para poder entender certas atitudes, e mudar a cabeça de algumas pessoas que tem o mesmo pensamento atrasado de 40, 50 anos atrás.

    Mais uma vez, parabéns!

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  2. Discordo da tua divisão dos grupos. Eu por exemplo tenho características de dois grupos "anti-establishment" pois sou contra a ordem estabelecida das coisas e acredito que o objetivo da prefeitura com os atuais projetos é desenvolver a orla de uma forma que beneficie poucos e incentivando o consumismo e também me encaixo no grupo que chamas "desenvolvimentistas modernos" pois endosso todas críticas que estão ali, por sinal, até fui eu que traduzi e publiquei o post que linkasse no item 4.

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    1. ocético, como disse no post, a descrição que fiz é uma visão simplificada. São mais três grupos de pensamento que três grupos de pessoas - naturalmente há intersecções!

      Muito útil o teu trabalho de tradução, parabéns. estou contudo, tentando achar trabalhos científicos para embasar melhor minha argumentação sobre este tema. Alguma dica?

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    2. No fim do próprio artigo que traduzi tem uma lista de fontes que podem oferecer algum aprofundamento no tema.

      Eu fiz a crítica pois acho que criar esse tipo de divisão (que naturalmente não existe) só prejudica a nossa luta. A causa da maioria das pessoas é a mesma, algumas tem uma base teórica maior, outras seguem mais a sua intuição/percepção de que as prioridades estão invertidas. Mas criar facções para enfraquecer um movimento é uma prática muito antiga de quem está no poder e devemos ao máximo evitar fortalecer essa idéia.

      Abraço.

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    3. Entendo, mas realmente não acho que somos um grupo nem de longe homogêneo. Acho importante nos unirmos nas causas comuns, mas termos bem claro o que cada um acredita e defende.

      Sobre as fontes Suburban Nation, comprei o livro, mas acho as fontes deles muito pouco científicas. Queria achar estudos acadêmicos sobre o tema, em revistas com peer review. Este tipo de coisa é mais difícil de achar para mim que não tenho formação na área...

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