sábado, 6 de abril de 2013

Transporte Público - Por que as passagens sobem?

Dia 28 de março um protesto violento eclodiu em Porto Alegre contra o aumento das passagens de ônibus. Ele foi precedido - e sucedido - por diversas outras manifestações pacíficas. No cerne deste movimento está um repúdio não apenas ao valor corrente das passagens, mas à situação do transporte público.
O Discutindo Porto Alegre publicará uma série de artigos sobre o problema do transporte público de Porto Alegre. A questão será abordada sob diversos pontos: jargões da área, como o custo da passagem é calculado, simulações de alternativas, a falácia do crescimento dos isentos, entre outros. A abordagem será qualitativa e quantitativa, resultado de um trabalho exaustivo de análise de dados fornecidos pela EPTC, pela Prefeitura e por outras fontes. 

Hoje - Por que as passagens sobem?

Custos e demandas são muito interessantes, mas o que o passageiro sente no bolso é o valor da passagem. E ela tem subido muito, bastante acima da inflação. Este é um fenômeno apenas portoalegrense? Quais as causas deste fenômeno?

Evolução das Tarifas

A própria EPTC reconhece o problema da inflação das passagens! Em sua revista Transporte em Números, a primeira parte dos dados falam apenas sobre isto, tentando desesperadamente colocar o problema em perspectiva. Comparações com insumos, salário mínimo, pulso telefônica (algo pré-histórico!), etc.

Vamos começar analisando estes dados isoladamente. Como Foi a evolução de Porto Alegre. O gráfico abaixo (extraído da revista citada acima), apresenta os dados da variação do preço da passagem, comparados com os principais indicadores de inflação - IGP-M e IPCA. Fica claro que o aumento é muito superior a inflação.

Em uma segunda abordagem, a EPTC analisa os custos. A tabela abaixo (editada, mas igualmente extraída da revista) apresenta os dados de alguns insumos relevantes. Note que, de fato, pneus e combustíveis sobem acima do valor da tarifa. Entretanto, estes itens correspondem a menos de 17% do total dos custos. A variação do preço do veículo (21% dos custos) é 35 pontos percentuais inferior. Já o valor dos salários (45% dos custos) subiu 63 pontos percentuais menos. Assim, embora uma inflação considerável, ela é da ordem da variação do IGP-M.


Outras capitais também sofreram variações grandes de preço. A tabela abaixo mostra o comportamento em todas as capitais brasileiras. Analisando os dados, vê-se que os números são altos. A média de variação acumulada (1994-2012) é 583%. Porto Alegre teve 670%. Brasília foi a única capital em que a variação foi inferior à inflação.


Muitos ativistas tendem a culpar o governo como qual não concorda. Eu mesmo pensei que o governo Fortunati, com péssima fama no que tange qualquer modal que não seja carro, teria permitido aumentos maiores (com ou sem razão econômica associada). Isto, entretanto, não  procede. A tabela abaixo mostra as variações por gestão. Além da variação acumulada no período, é apresentado a posição relativa da capital no período. Salvo a gestão Fogaça, as gestões Pont, Verle e Fortunati possuem desempenhos semelhantes.



Rentabilidade

Em seu diagnóstico a EPTC aponta como principal culpado a rentabilidade do sistema, representada pelo indicador IPK. Conforme já discutido, este índice aponta quantos passageiros são transportados por quilômetro. 

O IPK, em sua forma direta, mostra a eficiência do sistema de transporte. Quanto maior o seu valor, mais pessoas estamos conseguindo transportar. Como falamos de passageiros por quilômetro, uma justa comparação é com o conceito físico de densidade.

O estudo de impacto ambiental do Metrô de SP (para implantação da linha branca) fornece um paralelo inter modal interessante. Segundo este estudo (página 4), o IPK típico para os seguintes modais, segundo seu estudo,  é:
  • Metrô: 8,517;
  • Ônibus: 1,738;
  • Carro: 0,155.

Em outras palavras, seguindo as médias do estudo, um ônibus precisaria percorrer 5 km para equivaler a 1 km do metrô. Por sua vez, um carro precisa rodar 11 km para transportar o mesmo número de pessoas transportadas em 1 km de ônibus. Apenas deixando claro, não se fala aqui da capacidade do sistema, mas de sua eficiência. este parâmetro está intimamente ligado com o perfil de uso (neste caso, perfil de usuários de São Paulo).

Apesar de estar em queda, o IPK de Porto Alegre ainda é bastante elevado. Valores nacionais giram em torno de 1,6 (média das cidades de Belo Horizonte, Curitiba, Goiânia, Fortaleza, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro, Salvador e São Paulo). Como acabamos de ver, o valor previsto para São Pualo era de 1,738. No caso de São Paulo, entretanto, é importante observar que há um sistema estabelecido de metrô e que sua existência reduz naturalmente o IPK do sistema de ônibus, o que, neste caso, é desejável.

Mas por que o IPK tem baixado? 

Há muitas razões para isto! Lembrando que o IPK é expresso pela quantidade de passageiros do sistema divido pela quantidade de quilômetros rodados, temos que cada passageiro perdido ou quilômetro adicionado onera o sistema. Assim, vários fatores impactam o IPK, como, por exemplo:
  • Aumento do uso do modal carro;
  • Aumento do uso do modal bicicleta;
  • Espalhamento (e correspondente redução da densidade) das cidades;
  • Aumento da oferta do serviço, passando a operar linhas menos eficiente;
  • Aumento da cobertura do serviço, atendendo áreas menos densas.
Segundo algumas fontes, o IPK do sistema de bondes de São Paulo era de 9,7 em 1956, caindo para 5,98 em 1961. O sistema de ônibus tinha IPK 7 em 1953, caindo para 3,55 em 1961. Este foi um fenômeno muito comum com a introdução do automóvel e o consequente espalhamento das cidades modernas.

A redução do IPK de Porto Alegre, na última década, parece mais relacionada com a perda de de usuários com que o aumento da rodagem. O percurso total acrescido desde 2004 foi de apenas 3%. A perda de passageiros também foi de cerca de 3% no período, mas, matematicamente falando, este peso teve impacto maior na eficiência do sistema. O gráfico abaixo ilustra este fenômeno.


O gráfico abaixo é semelhante ao anterior, mas mostra o fenômeno para o IPK equivalente.



Para fins de rentabilidade, devemos tratar não do IPK, mas do IPK equivalente. Aqui, entretanto, não temos nenhuma novidade. A variação foi igualmente de 3% negativa, o que reforça o fenômeno já mencionado anteriormente que a perda de passageiro se dá em todas as categorias (não apenas nos isentos). Mais uma vez vale lembrar aqui: a redução do número de passageiros, mesmo em pequeno quantidade, possui um impacto tremendo na rentabilidade do sistema!

O aumento da motorização dos brasileiros, causado pela elevação do nível de renda da classe C, seguramente colaborou para a redução de parte dos passageiros. Entretanto, como apontado pela própria EPTC, o maior vilão é, por ironia, o custo da passagem. Devido ao nosso modelo de cálculo tarifário, a redução de passageiros leva a um aumento de tarifa, que por sua vez leva a uma redução do nível de passageiros, em um círculo vicioso

Embora pareça óbvio, que o preço da passagem impacta o uso do sistema, até que ponto esta influência ocorre? Podemos ter uma ideia do volume do impacto analisando os dias de passe livre. Os IPKs diários são (dados de 2011):
  • Dia Útil: 2,8969;
  • Sábados: 2,4064;
  • Domingos e Feriados: 1,8139;
  • Passe Livre: 3,2453.
Como dias de passe livre ocorrem, normalmente, em domingos e feriados, podemos dizer que a isenção de tarifa aumenta o uso do sistema em 79%. Este número seria ainda maior se ponderássemos este valor pela proporção de pagantes, supondo que os isentos continuam inalterados. Por conservadorismo, entretanto, não vou considerar este cenário. Mesmo se comprarmos com dias úteis, entretanto, vemos um aumento no uso do sistema de 12%!

A Seguir

Encerrando a primeira parte deste trabalho, vou apresentar alguns cenários de como a tarifa se comportaria frente a propostas comuns como retirada dos cobradores, subsídios, redução de impostos ou fim das isenções.

Outros Artigos da Série

Iniciando o DiálogoIntrodução ao conjunto de indicadores e vocabulário usado ela EPTC e o básico do cálculo da tarifa. 
Mais Sobre Custos: Análise detalhada de como funciona o sistema de cálculo de custo das tarifas. 
Receitas e DemandasComo está a situação da arrecadação do sistema de transporte. Como está se comportando a demanda dos passageiros. 
Me dê Números!: Como usar todos estes conceitos para simular cenários. Disponibilizo uma planilha que permite calcular o valor da passagem simplesmente informando parâmetros para diversos cenários. 
Uma Proposta Para o transporte PúblicoUma proposta para reduzir o valor das passagens e melhorar a qualidade do serviço.

4 comentários:

  1. Só pra ver se entendi... Um IPK alto não necessariamente significa um transporte de qualidade? Exemplo: um ônibus superlotado produz um IPK maior do que a mesma quantidade de passageiros distribuídos em dois ônibus. Ou não? Se sim, isso explica porque nos dias de passe livre temos um IPK mais elevado.

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  2. IPK alto significa uma maior densidade de passageiros transportados. No caso de IPK equivalente, significa uma maior rentabilidade. Qualidade, contudo, depende do ponto de vista. O que é qualidade para ti? Tempo curto, frequência baixa, ônibus confortável, ...? Para nenhuma destas tem relação.

    Outra coisa importante de se notar é que IPK elevado não implica em ônibus lotado, pois:
    1. O ônibus pode ser maior;
    2. A frequência pode ser grande;
    3. Não operar em momentos de baixa demanda (operar à noite e em fins-de-semana baixa muito o IPK).

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    1. Ops, ficou ruim meu comentário anterior: na verdade, maior frequência não ajuda o IPK, pois ele é o resultado da divisão entre passageiros por rodagem. Mais ônibus podem transportar mais passageiros, mas vão igualmente aumentar a rodagem, logo, o efeito é perdido. Assim, dado o mesmo número de passageiros, aumentar o número de SEMPRE baixa o IPK.

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  3. As concessões dos serviços de transporte coletivo rodoviário estão vencidas: Urbanos no município de Porto Alegre; Intermunicipais da Região Metropolitana de Porto Alegre (p.ex.: Canoas – Novo Hamburgo, Porto Alegre – Viamão);Intermunicipais da Região Metropolitana da Grande Vitória (p.ex.: Vila Velha – Vitória, Transcol) e do Estado do Espírito Santo (p.ex.: Vitória – Cachoeiro do Itapemirim);Intermunicipais do Estado do Rio Grande do Sul (p.ex.: Porto Alegre – Gramado, Porto Alegre – Uruguaiana);
    Estações rodoviárias do Estado do Rio Grande do Sul; Interestaduais supostamente sob a responsabilidade da ANTT (p.ex.: Rio – São Paulo, Porto Alegre – Brasília, Belém – Brasília). Para reduzir as tarifas dos serviços públicos de transporte coletivo de passageiros (linhas de ônibus) municipais, intermunicipais, interestaduais e internacionais é preciso terminar com os monopólios territoriais, através de licitação das concessões vencidas (o critério para ganhar a licitação deve ser menor tarifa). Da mesma forma, é preciso proceder a licitação das concessões vencidas dos demais serviços públicos(telecomunicações e energia elétrica especialmente). Como o critério de julgamento das licitações públicas é a menor tarifa (Lei 8.666/1993) e como os serviços públicos devem ser concedidos sempre mediante licitação (Constituição 1988, art. 175) é necessário licitar os serviços para reduzir as tarifas. Quantos outros contratos de concessão de serviços públicos estão vencidos, sem licitação para sua concessão? Sabe-se que estão vencidos contratos de concessão de energia elétrica (supostamente a cargo da ANEEL), estão vencidos contratos de concessão de telecomunicações: telefonia fixa, telefonia móvel, Internet, TV a cabo, emissoras de rádio, emissoras de TV (supostamente a cargo da ANATEL). O que estas agências (fruto das reformas neoliberais do Estado brasileiro) fizeram a respeito? Nada, porque a forma de financiamento das campanhas eleitorais passa pelas promessas de não realização das licitações e elas foram capturadas pelos interesses das reguladas.
    É impressionante a defesa dos empresários de ônibus por parte dos prefeitos, governadores e demais autoridades, além de certos representantes da imprensa. Será que eles sabem que as empresas de transportes estão com seus contratos de concessão vencidos? Será que eles sabem como é feito o absurdo cálculo das tarifas, com base em informações fornecidas por parte das próprias empresas, sem qualquer auditoria? Eu acho que a resposta é sim para ambas as perguntas porque não existem anjos na face da Terra e muito menos eles que chegaram lá são ingênuos. Há uma razão maior para este apoio: $$$ para campanhas eleitorais.

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