Na última semana, publiquei uma série de artigos sobre o sistema de transporte público de Porto Alegre. Os artigos abordaram:
- Iniciando o Diálogo: Introdução ao conjunto de indicadores e vocabulário usado pela EPTC e o básico do cálculo da tarifa.
- Mais Sobre Custos: Análise detalhada de como funciona o sistema de cálculo de custo das tarifas.
- Receitas e Demandas: Como está a situação da arrecadação do sistema de transporte. Como está se comportando a demanda dos passageiros.
- Por que as Passagens Sobem?: Análise dos motivos por trás do aumento das passagens e comparação com outras cidades.
- Me dê Números!: Como usar todos estes conceitos para simular cenários. Disponibilizo uma planilha que permite calcular o valor da passagem simplesmente informando parâmetros para diversos cenários.
No último artigo publicado, convidei os leitores a criarem suas propostas, simularem e postarem no blog. Hoje, publico a minha proposta para o problema de hoje, onde queremos chegar e como chegar.
Em resumo, a proposta prevê ações se estendendo por três anos, reduzindo o valor da passagem (excluindo inflação), respectivamente, para R$2,35, R$1,50 e R$1,35. Estas ações envolvem alterações na eficiência e qualidade do sistema.
Update: Descobri um erro na minha planilha de cálculo de tarifas de ônibus, já corrigido. Comento este arro
aqui. Em função disto, os dados apresentados neste texto estão errados. Os valores corretos para os anos 1, 2 e 3 são, respectivamente, R$ 2,20, R$ 1,70 e R$ 1,65. Embora os valores sejam maiores, acredito que o resultado ainda é suficientemente positivo para justificar estas ações.
Premissas
Conforme descrito em
Porque as Passagens Sobem?, o principal problema enfrentado hoje é a queda do número de passageiros. Esta queda possua vários fatores, mas minha percepção é que dois deles são esmagadoramente mais importantes: custo das passagens e qualidade do serviço.
Parece loucura dizer que um dos principais motivos para o aumento das passagens é seu alto preço, mas isto é infelizmente uma verdade. Entramos em um círculo vicioso, onde um aumento do preço da passagem desmotiva os usuários a usar o sistema, diminuindo a arrecadação e forçando um novo aumento de passagens.
Uma das ideias desta proposta é quebrar este círculo vicioso, criando um círculo virtuoso. A premissa é que, se a passagem baixar, mais pessoas usarão o sistema e, por conseguinte, o preço poderá baixar. E assim sucessivamente! Acredito, entretanto, que este efeito só pode ocorrer se a redução de preço for significativa, de modo a criar um efeito psicológico forte o suficiente.
Para atingir esta premissa, temos que atuar nas outras variáveis do sistema. Infelizmente, os outros itens tradicionais não reduzem suficientemente o custo do sistema de uma forma duradoura. Assim, é proposto aqui um choque temporário no sistema, através de uma ação da prefeitura, para reverter a situação atual.
A ação da prefeitura também deve ser feita no quesito qualidade. Um conjunto de ações rápidas e baratas deve ser realizado para revitalizar este modal.
Qualidade
Há diversos aspectos que influenciam na qualidade do serviço, como carros operando com ar-condicionado, acessibilidade, baixa lotação, entre outros. Operar sobre estes itens constitui uma medida de longo prazo e, portanto, não será discutida aqui.
O aspecto mais importante, sob o meu ponto de vista, é garantir um baixo tempo de deslocamento e uma previsibilidade de horário para as diversas linhas. Estes indicadores tem sido, entretanto, amplamente prejudicados por congestionamentos. Assim, proponho duas ações para reduzir este impacto:
Linhas Interurbanas
Parte significativa dos ônibus circulando nos principais corredores da cidade, notadamente na Assis Brasil, são ônibus intermunicipais. Esta operação causa amplos congestionamentos nos corredores, além de demandar uma área significativa de circulação e estacionamento no centro da cidade.
Estes ônibus não agregam em nada a qualidade dos moradores da cidade, enquanto consumem recursos importantes. Ainda pior, estes ônibus normalmente são de pior qualidade, causando mais poluição atmosférica e sonora, além de serem dirigidos de forma mais perigosa.
Assim, a primeira medida deve ser a proibição de circulação destes ônibus nos corredores de ônibus. Mais, eles devem operar levando seus passageiros até as bordas da cidade, desembarcando seus passageiros em terminais abastecedores, como o terminal Triângulo. De lá estes passageiros devem pegar ônibus urbanos convencionais.
Esta ação, além de reduzir significativamente o número de ônibus circulando na cidade, trás um segundo benefício. Estes passageiros, que hoje não fazem uso do sistema de transporte urbano, passarão a fazer uso deste, aumentando a eficiência do sistema. Com IPKs maiores, a passagem pode ser reduzida.
Corredores Semi-Exclusivos
Os congestionamentos na cidade aumentaram significativamente, devido o aumento do número de carros em circulação. Desta forma, a circulação de lotações e ônibus foi diretamente prejudicada. Para solucionar este problema, proponho um aumento no número de corredores.
Ao falar em corredores, tratam-se de corredores de pista compartilhada com lotações. O desembarque é feito em paradas, semelhante ao existente na avenida independência. Este tipo de corredor é muito barato e de rápida implantação, pois envolve apenas sinalização na pista, placas e, quando muito, tachões. Não é necessário rever a pavimentação.
Esta ações deveriam ser iniciadas imediatamente. Algumas avenidas que deveriam sofrer esta alteração:
- Urgente:
- Ipiranga;
- Independência/ Mostardeiro (sentido centro-bairro);
- Prioritário:
- 24 de Outubro/Plínio Brasil Milano;
- Eudoro Berlink;
- Padre Cacique;
- Azenha;
- Média Prioridade:
- Goethe;
- Nilo Peçanha;
- José de Alencar;
- Loureiro da Silva;
- José do Patrocínio;
- Presidente João Goulart (em frente ao Gasômetro).
Naturalmente devem haver outras ruas que eu não esteja levando em consideração que devem ser tratadas, assim, esta lista é um ponto de partida. No caso da Independência, por exemplo, o tempo de deslocamento ao longo de sua extensão, em horário de pico, está em torno de 30 a 40 minutos (a pé faço em 15 a 20 minutos).
Com estas ações, o tempo de deslocamento de ônibus será, em alguns trechos, menor de ônibus do que de caro, valorizando este modal. Além disto, milhar e de pessoas que circulam de ônibus nesta via passariam a ganhar 30 minutos a mais em seus dias.
Rodagem
Hoje temos 400 linhas de ônibus no nosso sistema. Este número é irreal e tem crescido nos últimos anos, mesmo com o número de passageiros caindo e o tamanho da cidade inalterado. Por exemplo, temos hoje 6 linhas com saída do Centro e chegada no Lami. estas ineficiência impactam o IPK do sistema.
Precisamos diminuir o número de linhas e reduzir o trajeto médio dos ônibus. Isto deve ser feito fundindo linhas, separando linhas e excluindo linhas ineficientes. O objetivo é garantir que os ônibus permaneçam lotados a maior parte do tempo. Este é um estudo complexo, mas medidas rápidas e óbvias podem ser tomadas.
Fusão de Linhas
Temos hoje trechos tronco, que alimentam grandes terminais, não operados por uma linha única. Assim, por exemplo, temos a linha 520 (Triângulo-Assis Brasil) operando do terminal Triângulo até o hospital Fêmina. Por outro lado, temos a linha 510 (Auxiliadora) operando entre o Zaffari Higienópolis e o Centro. A linha 510 opera vazia no seu início (Higienópolis) e a pleno no meio e fim (Auxiliadora até o Centro). Já a linha 520 opera vazia no seu final (Fêmina) e a pleno no início (Triângulo) e meio (Auxiliadora).
Estas linhas deveriam ser a mesma linha, operando do Triângulo até o Centro. Assim, os pontos vazios seriam operados a pleno. Haveria um ponto de estrangulamento no meio da linha, mas ele seria administrável com mais carros nos momentos de pico (que são uma fração pequena da operação).
Separação de Linhas
Temos hoje linhas que possuem uma ampla demanda em um ponto, mas são vazias em outros. Isto ocorre, em laga medida, pois esta linha operam em parte de um eixo tronco. Assim, por exemplo, temos diversos ônibus que fazem o mesmo trajeto da do Centro até a o Terminal Triângulo.
Estas linhas deveriam dar lugar a uma única linha, operando a plena eficiência entre estes dois pontos. Do Terminal Triângulo estas linhas se dividiriam em outras para seus pontos finais. Como a segunda passagem é gratuita, os usuários não seria prejudicados financeiramente. Linhas que fazem caminhos distintos entre estes dois pontos poderiam ser poupadas.
Exclusão de Linhas
Embora a EPTC não divulgue estes dados, é fácil de observar que temos linhas que operam majoritariamente vazias ao longo de todo o trajeto. Ou, em outros casos, possuem um trajeto muito grande, tornando-se ineficientes, salvo transportem uma quantidade alta de passageiros.
Fala-se de idosos e estudantes, mas este também é um subsídio. As linhas mais eficientes transferem receita para estas linhas. A solução é verificar a efetiva necessidade de cada uma destas linhas. Para linhas necessárias, mas que se destinam a locais isolados (como o Lami), o número de viagens devem ser reduzidos, até que o IPK seja condizente. Esta é uma medida dura, mas corrige o problema de espalhamento da cidade que criamos ao longo das últimas décadas.
A Proposta
A proposta final envolve os itens citados acima. De forma concreta, entretanto, acredito que devemos trabalhar com metas por ano. Assim, minha proposta envolve uma ação em três anos. São elas:
Ano 1 (2013)
Primeiramente, o sistema de transporte público gera benefícios para a cidade. Assim, a prefeitura e a EPTC deveriam desonerar o sistema com os tributos que cobram. Assim, propõe-se terminar a cobrança do ISSQN eu da Taxa de Administração. Além disso, para garantir um efeito inicial, a prefeitura entraria no sistema com um subsídio de R$50 milhões, de modo a transformar o círculo vicioso em um círculo virtuoso.
Como contra partida, a sociedade aceitaria o fim da categoria isentos. Ela passaria a ser cobrada em 50%, como são os estudantes. A redução de 50% está em conformidade com outros descontos que idosos (a maior parte desta categoria) já possuem hoje em outros serviços. É estimado, para fins de modelo, uma taxa de conversão de 50%.
No que tange as ações de qualidade, é proposto, para o primeiro semestre, a implantação dos corredores classificados como urgentes. Para o segundo semestre, a implantação dos corredores prioritários.
Na categoria rodagem, um conjunto dos três tipos de ações terá por meta reduzir o valor da rodagem para 95% de 2011 (considero uma meta conservadora). Como consequência destas ações, estima-se um aumento linear da utilização do sistema para 105%. Acredito ser este, igualmente, um valor conservador.
Dado estes parâmetros, obtermos uma tarifa calculada de R$2,02 e uma tarifa decretada de R$2,00. Importante notar que o modelo de dados que temos à disposição cobre a tarifa de R$2,85, logo, não estou considerando aqui quaisquer outras alterações no sistema de custos ou inflação no período.
Ano 2 (2014)
Em um ano, a prefeitura poderia exercer pressão na União para isenção de impostos federais incidentes na passagem de ônibus. É absurdo que tenhamos isenção de PIS/COFINS para celulares, mas não para o transporte coletivo. No que tange a subsídios, a contra-partida da prefeitura reduziria para R$20 milhões.
Igualmente, tendo um ano para preparação, é proposta a extinção dos cobradores. esta medida pode ter sido parcialmente realizada no ano anterior. Assim, é prevista uma redução para 0% no número de cobradores e 50% no de fiscais. A ideia é que o ingresso no ônibus se daria exclusivamente mediante cartão. Um cartão poderia ser comprado em qualquer loja, assim como ocorre hoje com cartões de telefone (celular e orelhões). A taxa de Administração retornaria aos 3% e seria revertida para os pontos de venda.
No ponto de qualidade, seriam implantados neste ano os corredores de média prioridade. A ações de rodagem, para este ano, teriam como meta atingir 90% da rodagem de 2011. Como consequência destas ações, estima-se um aumento linear da utilização do sistema para 110% (conservador).
Dado estes parâmetros, obtermos uma tarifa calculada de R$1,49 e uma tarifa decretada de R$1,50. Lembrando mais uma vez, estes valores não consideram a inflação no período.
Ano 3 (2015)
Aqui haveria uma consolidação do sistema. A prefeitura poderia remover o subsídio do sistema, mas manter a isenção do ISSQN (seria definitiva devido aos benefícios gerais que ela cria).
A ações de rodagem, para este ano, teriam como meta atingir 85% da rodagem de 2011. Como consequência destas ações, estima-se um aumento linear da utilização do sistema para 115% (conservador).
Dado estes parâmetros, obtermos uma tarifa calculada de R$1,35 e uma tarifa decretada de R$1,35. Lembrando mais uma vez, estes valores não consideram a inflação no período.
Conclusão
Estas ações seriam viabilizadas ou via uma licitação, ou via uma negociação com a ATP. No cenário de negociação com a ATP, há implícita uma aposta por parte das empresas de ônibus. O modelo funciona se apostarmos que a taxa de incremento do uso será a projetada. É uma aposta, pois assim como ela pode ser inferior (pouco provável) e a empresa perder dinheiro, também pode ser superior e a empresa ganhar dinheiro! Além disso, a pressão da licitação deveria ajudar nas negociações.
Note que aqui não foi previsto o efeito do BRT, que pode reduzir ainda mais as taxas de rodagem do sistema e, por conseguinte, aumentar o IPK. Ele não foi considerado, pois não está claro ainda como a prefeitura pretende explorar o sistema, nem se de fato ele será um BRT.